Colandos,
Universidade E Mercado De Trabalho*
José Maria
Coelho Bassalo
Como é do conhecimento
de todos, a forma com que o poder público tem tratado
a educação em nosso país, nos últimos
anos, é um dos fatores que mais têm contribuído
para conservar o nível da maioria das Universidades
brasileiras em um patamar muito abaixo daquele em que poderia
estar. Mesmo no atual momento político, no qual o mais
alto posto do país é ocupado por um educador,
nossas expectativas de crescimento no âmbito educacional
têm sido frustradas. E frustradas por tênues iniciativas
oficiais, que pouco tem colaborado para reverter o desanimador
panorama daquele setor.
Uma das mais sensíveis conseqüências desse
quadro é o enfraquecimento da credibilidade das Universidades,
enquanto formadoras de profissionais aptos a atuarem no mercado
de trabalho. (E aqui me refiro principalmente ao âmbito
das Engenharias e da Arquitetura). Esse enfraquecimento é
a tradução de dúvidas existentes em alguns
segmentos da sociedade, a respeito da qualidade dos professores,
dos conteúdos das matérias e disciplinas, e,
conseqüentemente, do nível de conhecimentos que
possuirá o aluno ao se graduar. Este, como é
inevitável, encontrando-se envolto por uma atmosfera
negativa, tenta, algumas vezes, alternativas de aprendizado
fora do âmbito acadêmico, as quais quase sempre
comprometem o processo de sua formação e não
conseguem dar-lhe segurança para enfrentar o mercado
de trabalho.
Entretanto, grande parte do ceticismo
sobre as Universidades decorre de controvertidas interpretações
ou expectativas a seu respeito. Porém, uma análise
menos superficial em suas estruturas mostrará que,
apesar das dificuldades atuais, estas instituições
ainda conseguem produzir profissionais capazes de iniciar
o exercício de seus ofícios, mesmo que de forma
limitada.
A questão fundamental que iremos aqui discutir é
a do preparo profissional dos recém-graduados. Como
já afirmei, parte da sociedade não crê
na eficácia do ensino superior e assegura ser o aprendizado
das profissões realizado mais nas experiências
do cotidiano do mercado de trabalho do que no interior das
Universidades. Presume-se que a incapacidade dos professores
e a má qualidade dos conteúdos transmitidos
sejam fatores primordiais da ineficiência da formação
ali processada.
Com relação à classe docente, discutem-se
seus conhecimentos, seus níveis, suas competências
no preparo do aluno para sua futura profissão. Afirma-se,
algumas vezes, que os professores universitários, em
sua maioria, são aqueles que não tiveram suficiente
capacidade para conseguir um lugar no mercado de trabalho.
Dessa forma, seguiram fazendo cursos de pós-graduação
e acabaram, quase que por inércia, no magistério
superior, desligados, assim, da prática profissional.
Conseqüentemente, acredita-se que os professores pouco
ou nada sabem sobre essa prática, e, portanto, parece
ser insignificante o que podem sobre ela ensinar.
Ora, admitimos, realmente,
que aspectos como o atual descaso do Poder Público
com as Universidades, fazem com que a média do nível
dos seus docentes se encontre, ainda, bastante aquém
da ideal. Aceitar, contudo, que os professores estejam totalmente
desligados da realidade do mercado, pode sugerir que o mundo
acadêmico e o profissional sejam campos disjuntos. Essa
proposição, entretanto, não é
verdadeira, pois os profissionais mais atuantes e de maior
prestígio no mercado mundial estão ligados,
direta ou indiretamente, à produção e
discussão do conhecimento, premissas fundamentais em
qualquer Universidade.
Com relação aos cursos
de pós-graduação, estes não podem
ser vistos apenas como pontes para a carreira do magistério
superior, pois não são geradores de conhecimento
de uso exclusivamente acadêmico. São, também,
fóruns de reciclagem e aprofundamento tanto para os
que optam por ter como ofício a produção
e transmissão sistematizada do conhecimento, como para
os que objetivam apenas aplicá-lo na prática
de suas profissões. Por conseguinte, a volta às
Universidades não é fuga do mercado de trabalho,
e sim, busca de melhor preparo para enfrentá-lo, conforme
veremos mais adiante.
Melhor reflexão também merecem as críticas
aos conteúdos professados. Discutem-se suas utilidades
para o exercício profissional, suas aplicabilidades
práticas, suas atualidades e até mesmo suas
veracidades. Mas essas discussões não devem
ignorar que os conteúdos são, ao mesmo tempo,
produtos e produtores das demandas do mercado, não
podendo, então, estar delas afastados. É possível
que, muitas vezes, as discussões acadêmicas pareçam
abstratas, desligadas do mundo real e até mesmo utópicas,
mas são parâmetros, modelos, paradigmas a partir
dos quais se constrói a realidade. Portanto, independentemente
dos níveis de abrangência que os atuais limites
das Universidades lhes tem permitido atingir, o conhecimento
acadêmico, mesmo não se manifestando de forma
tão sensível, é fundamental. É
base, é ponto de partida para qualquer atividade profissional.
Essas concepções negativas a respeito da Universidade,
mesmo não expressando verdades absolutas, certamente
influenciam a conduta estudantil. Alguns alunos inseguros
sobre a eficiência do ensino superior, por exemplo,
afastam-se dos bancos da escola no decorrer de suas graduações,
a procura de alternativas de aprendizado que supram lacunas
existentes em seus cursos. A busca do conhecimento, onde quer
que seja, é sempre salutar. Mas, na grande maioria
das vezes, esse abandono das Universidades representa o rompimento
da sedimentação seqüencial do processo
de formação acadêmica, deformando ainda
mais a apreensão do conhecimento.
A visão negativa imputada às Universidades não
se deve apenas aos dois fatores mencionados. Ao conceito referente
a professores e conteúdos soma-se, também, a
falsa expectativa que se tem com relação ao
nível dos recém-formados, pois espera-se que
estes, ao concluir seus cursos, estejam integralmente aptos
para trabalhar na plenitude de seus ofícios. Porém,
como qualquer processo de formação profissional,
independentemente de sua eficiência, não se encerra
no terceiro grau, não se pode esperar que os recém-graduados
assumam quaisquer lugares ou funções no mercado
de trabalho. Cada profissional atua, de maneira geral, em
uma faixa do mercado. A que está reservada aos recém-formados
não é a mesma em que atuam aqueles mais experientes
e vice-versa. A ascendência nessas faixas exigirá,
além de conhecimentos mais específicos, que
fogem aos conteúdos básicos dos cursos de graduação,
experiência e maturidade. Isto só se adquire
com o tempo. Nenhuma forma de exercícios acadêmicos,
substituirá a vivência da realidade, já
que aqueles são apenas práticas de simulação
desta.
Portanto, os recém-formados não devem ter motivos
para se sentir inseguros quanto suas atuais capacidades para
começar a enfrentar o cotidiano de seus ofícios.
Suas áreas de atuação serão, naturalmente,
compatíveis com seus níveis de conhecimento
e experiência. Isso não quer dizer que o mercado
arranje sempre um lugar para os profissionais de acordo com
as suas competências. As leis naturais da dinâmica
mercadológica tendem a remover os profissionais das
faixas que ocupam, sempre em duas direções:
à elevação às faixas superiores,
aos que aprimorarem seus níveis em cursos de pós-graduação,
congressos, seminários, dentre outros, ou à
exclusão do mercado, aos que estacionarem, e tiverem
de ceder seus lugares àqueles que estão em ascensão.
Como se vê, a permanência no exercício
do ofício está vinculada ao constante desenvolvimento
dos conhecimentos na fase pós-universitária.
No Brasil de hoje, tem-se que estudar bem mais após
a graduação do que em seu decorrer. É
necessário não apenas complementar o básico
que foi possível de ser, naquele período aprendido,
como, também, repito, ampliar, aprofundar e atualizar
o conhecimento. As limitações no momento impostas
às Universidades fazem com que, nelas próprias,
se aprenda a importância de se seguir sempre aprendendo.
Diante disso, acreditamos que as Universidades devem continuar
lutando por melhores atenções do Poder Público,
para que possam, cada vez mais, aproximar seu nível
de ensino às exigências do mercado de trabalho,
elevando, como é de direito, a relevância do
conhecimento acadêmico para a prática profissional.
Congratulações a todos vocês, agora meus
colegas. Muito obrigado.
* Discurso proferido como Paraninfo
Geral às Turmas do Centro de Ciências Exatas e
Naturais da Universidade da Amazônia - UNAMA, por ocasião
da Solenidade de suas Formaturas, em 01 de fevereiro de 1997.
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