Produzir, em crescente qualidade, projetos arquitetônicos e urbanísticos, para satisfazer, de acordo com necessidades e possibilidades, os clientes
e a empresa.

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"Devagar, Se Vai Ao Longe..."*

José Maria Coelho Bassalo

A grande maioria dos arquitetos, no período compreendido entre o seu último ano da Universidade e os primeiros anos após a graduação, passa, frente à profissão, por algumas inquietações que, se não chegam a angustiar, no mínimo, chegam a incomodar.

É bastante comum nos concluintes de Arquitetura um sentimento que, no meu tempo de Faculdade, se chamava “a síndrome do 5o. ano" que acontece quando o aluno começa a se questionar a respeito dos caminhos que irá trilhar após receber o tão esperado diploma. " E agora ? O que é que eu vou fazer ? Será que o Chefe vai deixar eu continuar estagiando no escritório ? Vou trabalhar onde ? Quanto ganha um Arquiteto ? ". Esses tipos de perguntas começam a " martelar " dia e noite a cabeça dos futuros profissionais que vêem chegar rapidamente a hora de encaminhar seus destinos, pois já não vai mais funcionar o grande argumento, o de ainda ser estudante, uma tradicional e boa desculpa para um pouco de relaxamento no trato com a vida.
Entretanto interrogações dessa natureza não são " privilégio " dos concluintes de Arquitetura e existem em todas as áreas estudantis pois elas, as interrogações, são decorrentes das sombrias perspectivas do mercado de trabalho para novos ( e até mesmo velhos ) profissionais face à interminável crise na qual o Brasil está mergulhado.

Paralela, e paradoxalmente, a essas inquietações, também uma certa euforia começa a tomar conta do futuro profissional, pois está cada vez mais próximo da realização o velho sonho de ver o seu próprio nome escrito numa placa de autoria de projeto, pendurada no tapume de obra. Aliás, na época da minha graduação, era também tradicional o exercício de criar uma placa de obra ou um cartão de visitas com o nosso nome, logomarca do futuro escritório e outras coisas dessa natureza.
A enorme ansiedade provocada pela atmosfera que envolve o momento de "virar", pelo menos no aspecto legal, Arquiteto, é o suficiente para tirar boas horas de sono. Alguns de nós dramatizam um pouco esse período e o encaram como um verdadeiro problema, digno das mais profundas angústias. Tem gente que até pensa em fazer outro curso, só para jogar mais para frente, isto é, adiar a mudança de comportamento que a formatura provoca e requer.

Mas para quem está achando que o problema reside em poder ou não exercer tranquilamente a profissão; em se vai ou não haver projetos para fazer, sossegue. Esses não são os nossos reais problemas. Sempre há um meio de trabalhar condignamente dentro da arquitetura, pois a diversidade de atividades ligadas à área é enorme. Ganhar bem ou não, é outra questão. Mas, no mínimo, sobreviver é possível.
Os problemas da profissão na verdade são outros e apenas vão começar a aparecer quando nos for encomendado o primeiro projeto. A enorme alegria de iniciar a carreira profissional é subitamente transformada em um certo temor de desenhar uma edificação que vai ser realmente construída. Esse sentimento decorre da insegurança do nível de aprendizado que certas Universidades propiciam e que, a partir desse momento, vai ser testado pelo seletivo mercado de trabalho.

É importante ressaltar que nem todos os novíssimos Arquitetos experimentam tal sensação, a exemplo dos inconscientes e dos talentos natos que não hesitam ao projetar a essa altura de suas vidas profissionais.

Mas, voltemos a falar de nós mesmos, da maioria, dos comuns. É natural que, como criancinhas, nesse "momento de perigo" a gente queira a mamãe, particularmente a mamãe profissional, que é, normalmente o dono do escritório onde trabalhamos, um professor amigo, enfim, qualquer Arquiteto mais expriente que possa dar uma orientação a mais; profissional com o qual se possa dividir as responsabilidades das decisões ou, trocando em miúdos, dividir a "culpa" do negócio. Analisando calmamente a questão da insegurança, veremos que o problema não reside na dificuldade de conceber os espaços e sim no receio das consequências que um mau projeto provocará antes, durante e depois de sua execução.

O Arquiteto quando faz um projeto, em suma, está dizendo ao cliente quanto e como ele vai gastar o seu próprio dinheiro. Se o projeto concebido, é evidente, for de má qualidade, a obra que, a princípio seria a concretização do mesmo, e eu digo a princípio, porque nem sempre os projetos são obedecidos na sua totalidade, também será de má qualidade. É como estar vendendo ( sem direito à devolução ) uma péssima mercadoria. É ter um custo alto para um benefício baixo. É desperdiçar o dinheiro dos outros.

Situação dessa natureza só acontece quando o cliente não possui um nível mínimo de conhecimentos para "ler" o projeto e identificar falhas que futuramente acarretarão problemas das mais diversas ordens ( construtivos, funcionais, estéticos, etc.) verificados durante a obra e após sua conclusão. É isso que ocorre na maioria das vezes, pois dificilmente se encontram clientes com esse nível de percepção. Até mesmo algumas construtoras, que avaliam os projetos antes de autorizar os seus desenvolvimentos, não percebem algumas "mancadas" registradas no papel. Em consequência disso grande parte dos projetos são aprovados praticamente no escuro, na base da confiança naquilo idealizado pelo Arquiteto e ainda não se feito entender. Dessa forma, a qualidade do espaço que a essa altura ainda está traçado no papel é de inteira responsabilidade do seu projetista e suas hesitações, no ato da concepção, são fruto da insegurança que a inexperiência profissional provoca, pois, no início da carreira, quase ninguém possui a exata dimensão da correspondência projeto/obra pronta; de como será, na verdade, um ambiente com lados de 2.40m x 3.60m, pé direito de 2.75m, piso em carpete marron, paredes com pintura acrílica branco gelo e forro em lambris envernizados. É difícil para principiantes ( considerem-se os primeiros 10 a 15 anos de exercício profissional, em média) ter a certeza de que aquilo que foi concebido no papel será a realidade futura.

As nefastas consequências de um mau projeto não se restringem apenas ao cliente, ao proprietário, ao usuário imediato do espaço por nós idealizado. É preciso, também, ter a consciência do aspecto coletivo, de a edificação ser um elemento que faz parte de um todo, a cidade, e que precisa com ela se relacionar. Ora, implantar um prédio na cidade é alterar sua configuração, mesmo que seja apenas visual; é interferir, ainda que quase imperceptivelmente, em seu funcionamento, enfim, é participar do jogo de sua evolução. Esse jogo, como diz o Prof. Cristóvão Duarte, possui as suas regras e sua ordem e do bom conhecimento delas depende a coerência em segui-las ou subvertê-las. Para intervir na cidade é preciso conhecê-la e senti-la. Quanto maior domínio se possuir sobre a sua história (não só arquitetônica), mais elementos, maiores condições ter-se-á para nela intervir com segurança. É importante dizer, porém, que não há garantia, reforcemos, nenhuma de que um profundo estudioso de teoria e história da arquitetura projete maravilhosas edificações. Conhecer o problema não é necessariamente saber resolvê-lo. Entretanto, assim como para um mecânico é impossível consertar um motor sem entender o seu funcionamento, não se faz arquitetura sem conhecer arquitetura.

Apesar de estarmos, em princípio, conscientes disso, a grande maioria de nós, os novíssimos Arquitetos, para usarmos a expressão corrente,ainda não teve ou ainda não demandou tempo para estudar com seriedade a cidade e se inteirar dos caminhos de sua evolução. A esse desconhecimento soma-se a falta de uma tendência definida na arquitetura contemporânea que, no momento, apresenta uma enorme diversidade de caminhos, todos eles, segundo a crítica, efêmeros e inconsistentes, o que provoca um certo temor na hora de se fazer um projeto, uma vez que, diante desse contexto acabamos ficando um pouco perdidos com a lapiseira na mão, com receio de agredir a cidade com uma edificação mal concebida e passar um atestado de incompetência. O edifício é a prova concreta, é o espelho da capacidade do seu criador e vai atravessar algum tempo da história da cidade como testemunho vivo do nível momentâneo do traço desse criador.

Diante do exposto, os mais precipitados poderão concluir que, com pouca experiência profissional, entregar um projeto para construção ( sem trocar idéias com os mais experientes ) é um ato irresponsável e que o caminho mais coerente é continuar estudando até o momento de atingir um nível mínimo de conhecimentos que permita "riscar" um projeto com segurança, sem medo de produzir um contra-exemplo de arquitetura.

Acontece, porém que o fazer arquitetônico não é aprendido apenas nos livros, nos tratados, nos exemplos. A experiência prática, com seus erros e acertos, é tão importante quanto os estudos teóricos. Não há maneira de avaliar todos os aspectos das decisões projetuais senão a partir de suas execuções. A capacidade de previsão do que vai acontecer, após a obra pronta, e que a certeza de que o edifício construído vai corresponder às intenções contidas em seu projeto, repitamos, aumentarão com a sucessão de experiências vividas. Nenhum desenho no papel ou mesmo uma animação computadorizada de um espaço qualquer substituirá a sensação de nele estar, de vivenciá-lo. Mas a imaginação da experiência é, nesse caso, aquilo que mais dela se aproxima e é apenas praticando que se aprimora a fidelidade entre o real e o imaginário.

É imperativo começar a produzir, mesmo com pouca experiência e prática. Não se pode ficar parado esperando a competência para resolver os problemas a nós colocados cair do céu. As dúvidas para, a essa altura, solucionar arquitetonicamente um determinado espaço são numerosas pois existem diversos caminhos a tomar. Certamente os mais talentosos apesar de novíssimos sentir-se-ão tentados pela criatividade a inventar soluções, a buscar o inédito, enfim, a resolver personalizadamente o problema. Já os que se julgam comuns, aqueles que ainda não conseguiram abrir certas gavetas de suas mentes onde estariam suas criatividades, vêem na experiência alheia a única forma de darem saída para suas concepções.

Dos dois procedimentos acima citados, o que mais coerente nos parece ser é o segundo, pois, no desconhecimento dos caminhos, é bem mais seguro optar por aqueles já dantes percorridos do que arriscar novas trilhas. Isso não quer dizer que os primeiros projetos dos novos profissionais devam ser cópias dos trabalhos dos mais experientes. Optar pelos caminhos já percorridos significa não ignorar a tradição arquitetônica de um lugar. É bastante comum a assossiação do que é tradicional com o que é velho, antiquado. Entretanto, segundo Hassan Fathy, em sua obra Construindo com o povo - arquitetura para os pobres, "... a tradição corporifica as conclusões das experiências práticas de muitas gerações sobre o mesmo problema ..." e, a nosso ver, o abandono daqueles princípios significa, no mínimo, uma pedante atitude de achar que nossos predecessores não possuiam competência suficiente para resolver suas questões arquitetônicas. A tradição não perpetua aquilo que não presta ou não funcionou, e, projetar nela apoiado não significa imitar antigos edifícios existentes e sim trabalhar com os princípios e fundamentos neles contidos para a produção da nova arquitetura.

O conhecimento da tradição é fundamental não só para quem vai respeitá-la, como também para aqueles que pretendem dela se afastar, pois, para negar esses princípios é primeiramente necessário deles se inteirar, já que ninguém pode, de modo coerente, concordar ou discordar de algo que lhe é inteiramente desconhecido. Dessa forma, nem mesmo aquele pequeno grupo dos talentosos que se vê em condições de conceber propostas inusitadas está isento das influências dos velhos caminhos. Seus trabalhos deverão ser acompanhados de uma enorme atividade reflexiva para que, potencialmente embalados pela criatividade, não se percam nas concepções de suas obras de arte arquitetônicas, pois é bastante comum, devido à inexperiência, que no afã da busca do novo, do diferente, os talentosos produzam coisas de aspecto esquisito não enquadráveis em corrente alguma do pensamento arquitetônico.
Diante da hesitação, da insegurança, é preferível não querer inventar. Segundo podemos depreender das idéias do Prof. Edson Mahfuz, em artigo publicado na revista Arquitetura e Urbanismo, No.32, nem todos os edifícios tem a obrigação de ser monumentos arquitetônicos, alguns deles podem meramente com uma arquitetura simples e despretenciosa atuarem como pano de fundo para os edifícios mais importantes, de arquitetura mais complexa e elaborada, ou mesmo funcionar apenas para definir tridimensionalmente o espaço público. Se ainda nao nos sentirmos em condições de "riscar" os monumentos, façamos os panos de fundo ! Cuidemos deles com seriedade, sem menosprezar sua importância no contexto da cidade. Só os talentos incomuns conseguem, com poucos anos de prática, produzir obras que possam ser consideradas monumentos. A ordem natural dos fatos é aquela que a própria história da arquitetura confirma, na qual até os principais nomes, no início de suas carreiras, tiveram também suas dúvidas, utilizaram como referencial o trabalho de seus predecessores e, é lógico, não obtiveram reconhecimento mundial aos 25 anos de idade.

Um dos maiores exemplos que a história apresenta é o do arquiteto Louis Kahn, considerado por Leonardo Benevolo como um dos grandes nomes do Movimento Moderno, de nível comparado aos de Walter Gropius, Frank Lloyd Wright e Le Corbusier. Kahn, nascido na Estonia, em 1901, emigrou para os Estados Unidos e lá iniciou suas atividades profissionais em 1925, depois de graduado pela Universidade da Pensylvania. Permaneceu anônimo até os meados dos anos 50, tornando-se famoso apenas aos 60 anos, após realizar alguns prédios que se destacaram no cenário arquitetônico norte-americano e mundial. Ainda de acordo com Benevolo, " a arquitetura de Kahn combina referências antigas e modernas com uma seriedade sem precedentes."

O próprio Le Corbusier, considerado como o grande expoente do Movimento Moderno na arquitetura, movimento esse que pregava, dentre outros fundamentos, a negação da utilização dos elementos arquitetônicos precedentes, projetou,no início desua vida profissional, residências que, apesar dele mesmo afirmar queestavam "livres da rotina arquitetural", possuiam aspectos de chalés tradicionais, bastante diferentes da mais conhecida configuração externa de sua vasta obra. Ele também levou muitos anos para construir seu prestígio pessoal, chegando esse a tão elevado nível que, segundo Leonardo Benevolo, colocaram o mestre acima das discussões.

Diante do exposto, podemos relaxar. Não no sentido de reduzir o ritmo de trabalho, mas no de aliviar a pressão que, ainda que inconscientemente, nos impomos para atingir o sucesso profissional. Certa vez, conversando com o Prof. Cicerino Cabral, ele me falou dos perigos de "baixar a cabeça" sobre a prancheta e produzir mecanicamente, esquecendo de fazer durante o nosso trabalho uma atividade reflexiva, na qual se busque o constante aprimoramento do nosso próprio nível, sem jamais adotar a vaidosa postura de ignorar nossos erros, pois é a partir deles que aprendemos e evoluimos. Transpostas essas armadilhas, certamente encontraremos lugar no mercado de trabalho, independentes de sermos talentos natos ou não.
Calma, paciência. Ainda é cedo, muito cedo. Em uma entrevista a um canal de televisão, alguns anos atrás, o arquiteto Phillip Johnson, referindo-se a Mies van der Rohe, declarou que "ter 40 anos é ser um garoto em arquitetura." Portanto, segundo essa linha de raciocínio, ainda estamos engatinhando na profissão. Não adianta dar um passo maior do que as pernas pois, em arquitetura, só o tempo e a experiência as alongarão. Por enquanto, é melhor seguir a sabedoria popular da qual minha avó Celina era precisa porta-voz quando nos dizia: " Meu filho, quem corre cansa, quem anda alcança. Devagar, se vai ao longe... "

 

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